A MÚSICA LITÚRGICA
Em todos os estudos sobre o canto e a música na liturgia, devemos ter bem claro o princípio fundamental formulado pelo Concílio Vaticano II: "... a música sacra será tanto mais santa, quanto mais intimamente estiver ligada à ação litúrgica..." (SC 112c). E ainda: "Uma autêntica celebração exige também que se observe exatamente o sentido e a natureza próprios de cada parte e de cada canto..." (MS 6b). Conclusão: Quanto mais gerais forem os textos dos cantos e menos ligados à ação litúrgica ou ao tempo e à festa, tanto menos litúrgicos serão eles, pois o importante é cantar a liturgia, e não simplesmente cantar na liturgia, como tantas vezes acontece.
Traduzindo o pensamento conciliar e o ensinamento da Igreja, queremos dizer, inicialmente, que, na liturgia, não se canta por cantar. Não se canta para encher espaço ou cobrir possíveis vazios na celebração. Também não se canta por ser o canto bonito e cheio de mensagens, simplesmente. O canto, na liturgia, não é divertimento nem se destina a tornar a celebração mais leve, mais agradável, mais movimentada. O canto litúrgico nunca pode ser mero enfeite, pois ele tem, na celebração, uma função ministerial, que lhe é própria. Às vezes, porém, certos cantos nos deixam a impressão de estarem apenas embelezando o momento celebrativo.
Diga-se, para maior consciência de todos nós, que não existe festa sem canto, nem celebração sem música, e a liturgia deve ser, pela sua natureza laudatória, uma festa, antes de tudo. Uma celebração, pois, sem canto é uma celebração morta, apagada. Em todas as culturas e em todas as civilizações, o canto sempre constitui alegria de um povo, ou então marca de suas angústias, de seus sonhos e de suas aspirações. Na liturgia, esse dado fundamental da fenomenologia antropológica é ainda mais evidente.
Na liturgia, o canto une as pessoas, anima e dá vida à celebração. Facilita passar de "uma só voz" a "um só coração", e, finalmente, a "uma só alma", como se vê na espiritualidade das comunidades primitivas. Podemos, pela liturgia, unir nossa voz à dos anjos, sendo realmente nosso canto exultação de um povo feliz e redimido.
Na linguagem bíblica e litúrgica, canto se associa ao Espírito Santo, e espírito tem relação com sopro, vento. O Espírito de Deus suscita em nós o "som", a vibração correta, que nos faz pensar e sentir em uníssono com o próprio Deus. O canto produz, pois, a harmonia universal. Aliás, a palavra "canto" tem sentido de "harmonia". Assim, podemos dizer que a criação, na sua harmonia, é um canto de louvor a Deus, e a liturgia, nas palavras de Paulo VI, é o louvor de Deus, na linguagem de um povo orante.
O canto ainda amplia o sentido das palavras e, por outro lado, sonda o mais profundo da interioridade do ser, cativa e faz brotar os sentimentos mais puros e profundos da alma humana. Ele liberta-nos dos limites da palavra, do racionalismo intelectual, do mero conceito, para dar-nos uma projeção do infinito e do indizível, na alegria que faz o coração exultar diante do mistério. É nesse sentido que São Tiago pergunta e, ao mesmo tempo, responde: "Está alguém alegre? Então cante!" (cf. Tg 5,13b).
Devemos vivenciar juntos a profundidade espiritual de um canto, pois a música, na liturgia, é chamada a uma densidade teológica e espiritual à altura do mistério que nela celebramos. Por isso, não se pode escolher qualquer canto e qualquer música para a liturgia, pois, como já vimos, ela deve aderir-se à natureza da liturgia, na sua funcionalidade ministerial. A letra e a música deverão, assim, ser feitas no Espírito, levando-se em conta a situação ritual do canto.
O canto, no cumprimento das exigências da liturgia, deve trazer texto, ritmo e melodia prenhes, isto é, grávidos do mistério de Deus, pois a primeira linguagem do canto, sobretudo litúrgico, é a do inefável, do mistério. Portanto, deve trazer ele as qualidades essenciais ao mistério: primeiramente, teológica, isto é, com a correta formulação doutrinária (ortodoxia católica); depois, espiritual, ou seja, capaz de nos elevar e edificar; também bíblica, quer dizer, com aquele espírito próprio da revelação divina e com ele facilmente identificável; não dispensando também a qualidade mistagógica, isto é, aquela experiência vivencial da Igreja que, na simplicidade, manifesta o reino de Deus. Por último, aparece ainda, como exigência, segundo Ione Buyst, a qualidade estética, com as notas do poético e do musical, sempre com a força evocativa e simbólica, tendo espaço: para o mistério, para o silêncio meditativo, para o vôo contemplativo.
Um canto só é, pois, litúrgico, voltamos a dizer, quando serve à liturgia, dentro das exigências desta. Fora da celebração, mesmo com todas as qualidades litúrgicas, torna-se simplesmente um canto sacro, religioso. Isto, porém, não quer dizer que todo canto religioso serve para a liturgia. Os letristas e compositores, a propósito, são chamados pelo Concílio Vaticano II a se instruirem no mistério litúrgico, a fim de comporem textos e músicas que enriqueçam ainda mais o tesouro da eucologia cristã.
Distinção dos cantos na liturgia
Visto que os cantos, na liturgia, não são genéricos, mas funcionais, costuma-se fazer uma distinção entre eles, de acordo com a sua ministerialidade. Assim, podem ser classificados:
I - Cantos processionais - São aqueles que acompanham as procissões litúrgicas. Temos então, com relação à missa: o canto de entrada, o de aclamação ao Evangelho (quando se faz a procissão deste), o da procissão das oferendas, o da comunhão e o canto final (quando este acompanha a saída do povo).
II - Cantos interlecionais - São os que ficam entre as leituras bíblicas (O salmo responsorial e a aclamação ao Evangelho).
III - Cantos fixos ou ordinários - Os que não variam com o tempo litúrgico ou a festa (O "Senhor, tende piedade" (Kyrie), O Glória, o Creio, o Santo e o Cordeiro de Deus).
IV - Cantos próprios - Os que variam de acordo com o tempo litúrgico, festa ou solenidade.
V - Cantos litânicos - Os que têm a forma de ladainha ("Senhor, tende piedade" e Cordeiro de Deus).
VI - Cantos antifonais ou alternados - Os que se cantam alternando-se: coro e povo, homens e mulheres (O canto alternado ou antifonal embeleza muito a celebração, mas quase não se pratica. A criatividade pastoral deveria usar mais este recurso).
VII - Cantos responsoriais - No canto responsorial, as estrofes são cantadas pelo coral ou por um solista, aqui chamado então salmista. O povo só participa com o refrão. Exemplo de canto responsorial é o salmo depois da primeira leitura.
Cantos suplementares
Há ainda na liturgia da missa alguns cantos, chamados então suplementares, para os quais não existe uma norma específica, principalmente quanto ao texto. São cantos, pois, sem muita importância litúrgica, mas que estão muito presentes nas celebrações. Tais são:
• O canto de apresentação das oferendas
• O canto de ação de graças após a comunhão (nome impróprio, pois o Missal não fala de "ação de graças" após a comunhão, mas de louvor)
• O canto de acolhida da Bíblia (muito valorizado pelas comunidades)
• O canto da paz
• O canto das aclamações da Oração Eucarística
• O canto final ou de despedida.
Para um estudo mais completo do que aqui se propõe, queremos também referir-nos às situações rituais dos cantos, que são ainda mais importantes que a sua simples distinção genérica. Podemos assim descrevê-las:
I - Situações hínicas - Aqui os cantos são de estrofes iguais, com a mesma melodia, na estrutura de hinos. Geralmente, os cantos processionais têm esta característica.
II - Situações meditativas - Incluem-se, nesta categoria, o Salmo Responsorial e o canto de louvor após a comunhão.
III - Situações aclamativas - O canto de aclamação ao Evangelho e as aclamações da Oração Eucarística, como também o "Amém" da doxologia final. Inclui-se também, aqui, a aclamação após a consagração ("Todas as vezes..."), ou outra.
IV - Situações proclamativas - A abertura pelo presidente, a resposta da assembléia, as orações presidenciais, o relato da Ceia, o prefácio, a profissão de fé, como também os "Amém" após as orações presidenciais. Neste caso, o canto aqui é a cantilena ou o recitativo.
V - Situações litânicas - São aquelas em que o canto se completa com a resposta do povo. Assim são os cantos do rito penitencial e do Cordeiro de Deus.
Sabemos que a liturgia ocupa lugar de destaque na Igreja, sendo mesmo fonte primária de espiritualidade, nas palavras do Concílio Vaticano II. Por isso, deve-se dar ênfase às razões do nosso cantar. E quais são essas razões? Podemos dizer que são, principalmente, as quatro referidas a seguir, em dimensões objetivas da fé. Ei-las:
De ordem teológica: Celebrar a ação de Deus em nossa vida, como pura gratuidade
De ordem cristológica: Celebrar o Mistério Pascal do Senhor, na alegria dos aleluias pascais
De ordem pneumatológica: Cantar no Espírito as maravilhas de Deus, operadas no seu povo
De ordem eclesiológica: Cantar em comunidade, como povo eleito e redimido.
Fonte:
João de Araújo